segunda-feira, 30 de março de 2009

O QUE OS JOVENS VÃO FAZER NA LAN HOUSE?

Não há nenhuma certeza, mas calcula-se que hoje no Brasil existam cerca de 70.000 lan houses. E menos de 5.000 bibliotecas públicas. Quanto às escolares muito pouco se sabe. Um detalhe: a lan house é porta para outra biblioteca: imensa, todo o conteúdo da internet com imagem, cor, som, vídeo... Já as bibliotecas variam muito, mas como nós sabemos a maioria forma uma paisagem desoladora. Então vemos um belo nó: nem chegamos à biblioteca desejável e já temos alternativa irresistível para as crianças e os jovens. Desconheço pesquisa sobre as lan houses e, principalmente, sobre o que os freqüentadores vão fazer lá. Mas por notícias vagas e dispersas parte da clientela vai mesmo fazer pesquisa escolar. Como disse em mensagem anterior, nas duas últimas décadas o estudo das bibliotecas públicas e escolares despencou – como se a importância delas também tivesse caído. Se existissem estudos sobre o assunto provavelmente seria constatado que as lan houses explodiram e as bibliotecas implodiram, aquelas, progressivamente, substituindo estas. É espantoso, mas captei parte dessas informações na... TV Globo, Regina Casé. Acho que estamos perdendo o bonde da história.
Há um campo mais próximo de nós e, pelo que me consta, também pouco estudado pelo ângulo do uso e do público: os serviços que, antes, eram denominados “bibliotecas especializadas”. Também não tenho certeza, mas pelo meu periscópio percebo que ano a ano está caindo o número de usuários desses serviços. Parte substancial dos pesquisadores não utiliza mais os periódicos impressos, pois encontra o que deseja nos computadores domésticos ou do escritório conectados à internet. Um pesquisador cresce em seu conhecimento específico com a capacidade de se abastecer de informações. Ele, sem esforço, sabe o que precisa ler para se atualizar. Um especialista em célula-tronco, por exemplo, não precisa de um intermediário para lhe dizer o que deve ler: ele está permanentemente conectado a outros pesquisadores numa rede que envolve o planeta e que faz a emissão e a recepção serem quase simultâneas.
Depois dessas visões das duas pontas do arco da pesquisa resta a pergunta: numa perspectiva de futuro qual será a nossa identidade profissional?

segunda-feira, 16 de março de 2009

Ditadura, Democracia e Internet

Como disse anteriormente, as questões são tantas e tão variadas na área da "Informação" que abrimos vários campos. Talvez isso possa ser atribuído à própria imprecisão da área não só para a sociedade, mas para nós mesmos. O profissional, hoje, me lembra o Mário de Andrade:"Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta, Mas um dia afinal toparei comigo..."Vou tentar, buscando na história, identificar essa metamorfose kafkiana que ocorreu nas últimas décadas. Mas, antes, preciso deixar claro que sempre levanto suposições, muitas delas provocantes. É muito mais para discutir do que para crer. A crença só aparece quando não temos argumentos contra. E no campo das idéias nada é definitivo.
A história, de alguma forma, ajuda a ordenar o pensamento. E aqui vou me colocar quase como um “testemunha ocular da história”. Quando entrei na USP em, vejam que ano, 1968, vivíamos um agravamento autoritário dos militares que ocupavam o poder desde 1964. Como era a Biblioteconomia nesse período? Tínhamos um resto, meio mofado, do Instituto Nacional do Livro (INL) criado no Estado Novo para apoiar as bibliotecas públicas. Os militares, a partir de 1964, não tinham muito interesse pelo campo “público”, mas centravam as suas preocupações no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, objetivando o “Brasil grande”. Na área da Economia a metáfora corrente era a do “bolo”: não era possível partilhar um bolo pequeno, portanto, antes, o bolo precisava crescer. Coerente a essa estratégia o antigo IBBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação) tornou-se em 1976 o nosso conhecido IBICT (Instituto de Informação em Ciência e Tecnologia). Lembro-me que no Curso de Biblioteconomia e Documentação, em seus primórdios, havia um embate entre IBBD e IBCT e muito pouco se falava em biblioteca pública e escolar – vistas como tarefas menores. Como 99% dos estudantes, eu tinha aversão pelo regime militar e pela perda progressiva dos direitos básicos dos cidadãos. E isso se refletiu em mim enquanto estudante de Biblioteconomia com a ação oposta à política oficial: partilhar o bolo. Em outras palavras, fortalecer a biblioteca pública. Me formei com essa convicção e, já como professor, iniciei uma cruzada onde eu não podia dizer “abaixo a ditadura”, mas bradava pela “democratização da informação”. Minha primeira palestra tinha por título explícito e chocante: “Biblioteca para Analfabetos”. Suponho que eu não causava tanto horror aos militares quanto aos bibliotecários. Em 1980 já havia no ar o espírito da “abertura” e foram realizadas em 82 as eleições diretas para os governos estaduais. Nesse período implantei em São Paulo no Governo Montoro, eleito pela população, o Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado de São Paulo. Essa iniciativa era a concretização máxima da “democratização da informação” que trouxe em seu bojo a idéia da “ação cultural”. Em 1995 fui obrigado a deixar o Sistema de Bibliotecas Públicas. Nesse período em todo mundo a informática e a internet assumiram importância fundamental na vida das pessoas e da sociedade. Criou-se um novo quadro onde a autonomia do indivíduo na busca da informação passou a ser regra. E aí mudou tudo.
Um dado interessante que uma aluna minha encontrou e que precisa de verificação maior: entre 1980 e 1990 a bibliografia sobre bibliotecas públicas e escolares era muito maior do que na década seguinte onde o interesse pelo “público” caiu e, quase, sumiu. Pretendo escrever mais sobre isso, mas se houver interessados na produção de teses, estas poucas linhas oferecem problemas instigantes.