sexta-feira, 3 de abril de 2009

DEWEY & PIAGET

     Tempos atrás batizaram o programa governamental de apoio a bibliotecas públicas com um nome esquisito: “Fome de Livros”. A denominação me pareceu imprópria, mas, segundo me disseram, por desígnios políticos deveria ser mantida para fazer uma ponte com o “Fome Zero”. Ficou claro? Esperneei o quanto pude para que não fosse sacramentado o erro. Perdi e fiquei à distância. As pessoas não têm fome de livro como têm fome de comida. O que elas têm é a necessidade de leitura. Mas aí começa o drama, pois elas próprias não detectam essa necessidade. O que leva uma pessoa a ler? Obrigatoriedade e prazer. Leitura por obrigação é realizada em algumas ocasiões e com sofrimento; leitura por prazer persiste por toda vida e se faz por gosto. Como formar esse leitor? Como tornar a leitura gratificante? Não sei, mas me parece que esse gosto pela leitura se faz nos primeiros anos da alfabetização. Suponho que essa tarefa de motivar as crianças para a leitura seja do professor. Mas na prática, dificilmente isso ocorre, mesmo porque, de um modo geral, os professores não são muito chegados à leitura. Aí pergunto, baixando a voz: desenvolver o gosto pela leitura seria tarefa dos responsáveis pelas bibliotecas escolares?

     Supondo que existam bibliotecas escolares na maioria das escolas públicas brasileiras (o que não é verdade) e pessoas preparadas à frente delas (o que menos verdade ainda), vê-se que em torno do educando teríamos dois profissionais: o professor e o responsável pela biblioteca.   E aí vem a pergunta difícil: nessa triangulação professor/biblioteca/aluno quais são os papéis dos dois primeiros? Alguns acham que o professor estimula a leitura e o responsável pela biblioteca fornece o material que deve ser lido. Outros garantem que o professor vai ficar “dando a sua aula” e cabe à biblioteca criar um ambiente propício e ações apropriadas para que os alunos tomem gosto pela leitura. Se a primeira opinião for a correta, basta que a biblioteca seja um depósito bem organizado e o responsável por ele saiba localizar o que o professor pede para os seus alunos. No entanto, se a segunda opinião for a correta... aí tudo muda. O profissional da informação é formado para formar leitores? 

      O ensino básico no Brasil ainda se sustenta quase exclusivamente na aula oral e no giz.  Esse ensino reúne milhões de crianças, é a base da pirâmide que se não for sólida, desmorona. Portanto, é prioridade um para o desenvolvimento social.  Nós, profissionais do livro, da leitura, da informação, temos que dar uma resposta a essa demanda gigantesca e delicada, mas, ao que tudo indica, estamos distantes. Infelizmente, os bibliotecários e as entidades que os formam não interferem nas políticas públicas. O resultado dessa omissão histórica e de vários outros fatores é um ensino com leitura mínima.

      Aí surge uma questão incômoda: as instituições de ensino superior que formam profissionais da informação, de alguma maneira, estão voltadas para a reflexão e formação de profissionais para encarar essa tragédia? Ou será que os escolares, enquanto público, estão excluídos de nossas preocupações? Vejo – e gostaria que me provassem o contrário – a informação para escolares e a informação pública em baixa, a caminho da extinção. A Biblioteconomia secular não prepara pessoas para trabalhar com esse público complexo. E muito menos se preocupam com ele as instituições que buscam formar “cientistas da informação”. Para os primeiros diria que trabalhar com o público infanto-juvenil pede menos vale Dewey e mais pesa Piaget. Para os segundos, não sei o que esperar, talvez um Paulo Freire temperado com epistemologia?

Nessa altura, tenho uma certeza: não há uma “informação”. Mas múltiplas. E bem diferenciadas. O que faria um genérico “cientista da informação” numa escola periférica? Talvez um novo profissional deva ser criado entre a educação e a informação, um infoeducador. Ele, dentro de novas políticas sócio-educacionais, talvez tivesse novas perspectivas de trabalho e um papel social mais relevante. 

7 comentários:

  1. concordo em quase tudo sobre a falta de um profissional professor e bibliotecário que saiba lidar com o problema incentivo à leitura. Digo quase porque falta ai a figura dos pais. Frequentemente vemos os pais delegarem a responsabilidade de educar seus rebentos e se eximirem de tal empreitada. E pais que nao leem podem exercer alguma influência para que os filhos leiam? Sabemos que os filhos são exímios imitadores dos pais. Por isso a expressão: tal pai tal filho. As informações são multiplas e o problema complexo. Mas nem por isso deixaremos que ele se resolva por si só. Como não atuo nessa área, fico na esperança que os profissionais (professores, bibliotecarios e pais) procurem as devidas soluções. E para esses tres personagens deixo a frase: NÃO SABIA QUE ERA IMPOSSÍVEL, FOI E FEZ!

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  2. Professor,

    Concordo com as suas palavras e, acima de tudo, acho que esse é um tema de grande importância para discutir. Inclusive, eu pensei em explorá-lo no TCC.

    A biblioteca escolar deveria ser um suporte educacional com função pedagógica, ciente das necessidades e a importância da leitura para iniciação da criança e perpetuação durante toda a vida. Infelizmente, a nossa graduação pauta-se no tradiconalismo e na figura limitada de um profissional que existiu há 50 anos. Não há uma abordagem mais pluralista, que nos amplie a visão: no trabalho, na parte acadêmica. Consequentemente, quem sofre com isso é o usuário, que é mal-atendido e acaba criando uma visão deturpada da biblioteca.

    Temos que mudar esse cenário.
    Abraço.

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  3. Boa tarde professor, tive a felicidade de realizar uma pesquisa para o meu trabalho de conclusão de curso da graduação voltado para a formação de leitores. Minha indagação foi: "O bibliotecário se considera um formador de leitores". Minha pesquisa foi feita com os bibliotecários da Rede Municipal de Ensino de Florianópolis, felizmente lá já temos consolidada uma rede de bibliotecários no município. Foi muito bom poder conversar com os bibliotecários e por meio de uma entrevista conhecer qual a visão deles do seu papel de educador.

    A Universidade Estadual de Santa Catarina - UDESC vem preparando muito bem os alunos do curso de Biblioteconomia para atuarem em bibliotecas escolares. Lembro de muitas discussões e disciplinas voltadas para a discussão de qual é o nosso papel dentro da escola, somos meros guardiões de livros? Ou nos preocupamos com a formação dos alnos que passam por lá? Infelizmente isso não acontece em todos os cursos de graduação do país e por isso temos essa triste realidade.

    Abraço.

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  4. Aqui no Rio de Janeiro as bibliotecas de escolas municipais e estaduais praticamente inexistem ou, quando muito, são denominadas "salas de leitura" e para lá são deslocados professores ou funcionários que não têm formação em Biblioteconomia e, por mais esforçados que sejam, não estão em condições de realizar um trabalho de estímulo à leitura, normalização de trabalhos, auxílio à pesquisas, entre outros. Infelizmente os bibliotecários daqui não parecem muito preocupados com esse desvio de função ocorrido em tantas escolas de nosso estado. O que pode explicar a falta de interesse pelo assunto? O salário de um bibliotecário escolar? O trabalho realizado em parceria com os professores? A falta de leitura de nossos bibliotecários que, portanto, não são capazes de estimular o corpo discente, e por que não dizer também o corpo docente, de uma escola? A falta de estímulo com o local de trabalho por não se perceber possibilidades de crescimento profissional? Tantas perguntas...

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  5. "Aí pergunto, baixando a voz: desenvolver o gosto pela leitura seria tarefa dos responsáveis pelas bibliotecas escolares?"

    Acredito que seja tarefa da família e que tanto as escolas como as bibliotecas podem reforçar esse hábito, torná-lo mais forte.

    "O profissional da informação é formado para formar leitores?"

    Não, mas pode reforçar o hábito. Qualquer pessoa dotada de boas intenções, paciência, alguma técnica e de livros apropriados ao nível de desenvolvimento da criança pode formar um leitor. Contudo, penso que a família forma leitores, a escola ensina a ler, e a biblioteca coloca os meios à disposição. Esses três reforçam o hábito da leitura.
    Infelizmente, o surgimento da tv veio a agravar o problema da falta de leitura no país. Não que antes as pessoas lessem muito, mas não havia este rival. É mais rápido ver tv do que ler. Não tivemos o tempo que os Europeus tiveram para se acostumar com os livros. Mas vejo a internet uma aliada que permite uma maior participação das pessoas e que, talvez, possa estimular a leitura.

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  6. O problema é essencialmente de ordem política. Falta-nos protagonismo para interferir nas políticas públicas.
    Não se passa impunemente por quinhentos anos de analfabetismo.
    O Brasil chegou à independência sem projeto educacional capaz de superar as fissuras da deculturação jesuítica que, via catequese nas tabas, prefixara o “caminho da salvação” pela propagação da fé, negação do corpo e expiação dos pecados. De instrumento para civilizar os bárbaros, a “escola” passou a ser espaço de “inclusão” das populações residuais da nossa história, sob a tutela do Estado. De lá para cá, confinado à mera transmissão de conteúdos, exames e outras exigências inibidoras da aventura de ler e conhecer o mundo, esse modelo oco “quem não reproduz é reprovado” fez da escola um espaço “desinteressante”!
    Políticas educacionais vicárias, em doses de mandato, resultam sempre inócuas. Costumam desdenhar a importância das bibliotecas, ora desconhecendo ora anulando intencionalmente, tratando-as como apêndice deteriorado de uma educação forjada na e pela ignorância. Biblioteca escolar é para ser vivida como espaço de aprendizagem. Se não for vivida, embora dadivosa na oferta de saber coletivo, perde a sua função.
    A sociedade pune quem a trata com desdém. Há demanda por mudança, mas faltam iniciativas estratégicas que visem à promoção da inclusão social, e não só digital. Sem a vivência cultural da biblioteca escolar aliada às competências para aprender a se informar, o poder público pode até “zerar estatísticas”, a despeito dos que se mantêm à margem do pensar e do saber, mas, assim, deixamos apenas de ser “ignorantes” em nível local para sermos “ignorantes” na aldeia global.
    Edison Santos - editor http://clinicadotexto.wordpress.com/

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  7. Não ficou clara a expressão empregada pelo professor:
    "trabalhar com o público infanto-juvenil pede menos vale Dewey e mais pesa Piaget."

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