segunda-feira, 16 de março de 2009

Ditadura, Democracia e Internet

Como disse anteriormente, as questões são tantas e tão variadas na área da "Informação" que abrimos vários campos. Talvez isso possa ser atribuído à própria imprecisão da área não só para a sociedade, mas para nós mesmos. O profissional, hoje, me lembra o Mário de Andrade:"Eu sou trezentos, sou trezentos-e-cinquenta, Mas um dia afinal toparei comigo..."Vou tentar, buscando na história, identificar essa metamorfose kafkiana que ocorreu nas últimas décadas. Mas, antes, preciso deixar claro que sempre levanto suposições, muitas delas provocantes. É muito mais para discutir do que para crer. A crença só aparece quando não temos argumentos contra. E no campo das idéias nada é definitivo.
A história, de alguma forma, ajuda a ordenar o pensamento. E aqui vou me colocar quase como um “testemunha ocular da história”. Quando entrei na USP em, vejam que ano, 1968, vivíamos um agravamento autoritário dos militares que ocupavam o poder desde 1964. Como era a Biblioteconomia nesse período? Tínhamos um resto, meio mofado, do Instituto Nacional do Livro (INL) criado no Estado Novo para apoiar as bibliotecas públicas. Os militares, a partir de 1964, não tinham muito interesse pelo campo “público”, mas centravam as suas preocupações no desenvolvimento da ciência e da tecnologia, objetivando o “Brasil grande”. Na área da Economia a metáfora corrente era a do “bolo”: não era possível partilhar um bolo pequeno, portanto, antes, o bolo precisava crescer. Coerente a essa estratégia o antigo IBBD (Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação) tornou-se em 1976 o nosso conhecido IBICT (Instituto de Informação em Ciência e Tecnologia). Lembro-me que no Curso de Biblioteconomia e Documentação, em seus primórdios, havia um embate entre IBBD e IBCT e muito pouco se falava em biblioteca pública e escolar – vistas como tarefas menores. Como 99% dos estudantes, eu tinha aversão pelo regime militar e pela perda progressiva dos direitos básicos dos cidadãos. E isso se refletiu em mim enquanto estudante de Biblioteconomia com a ação oposta à política oficial: partilhar o bolo. Em outras palavras, fortalecer a biblioteca pública. Me formei com essa convicção e, já como professor, iniciei uma cruzada onde eu não podia dizer “abaixo a ditadura”, mas bradava pela “democratização da informação”. Minha primeira palestra tinha por título explícito e chocante: “Biblioteca para Analfabetos”. Suponho que eu não causava tanto horror aos militares quanto aos bibliotecários. Em 1980 já havia no ar o espírito da “abertura” e foram realizadas em 82 as eleições diretas para os governos estaduais. Nesse período implantei em São Paulo no Governo Montoro, eleito pela população, o Sistema de Bibliotecas Públicas do Estado de São Paulo. Essa iniciativa era a concretização máxima da “democratização da informação” que trouxe em seu bojo a idéia da “ação cultural”. Em 1995 fui obrigado a deixar o Sistema de Bibliotecas Públicas. Nesse período em todo mundo a informática e a internet assumiram importância fundamental na vida das pessoas e da sociedade. Criou-se um novo quadro onde a autonomia do indivíduo na busca da informação passou a ser regra. E aí mudou tudo.
Um dado interessante que uma aluna minha encontrou e que precisa de verificação maior: entre 1980 e 1990 a bibliografia sobre bibliotecas públicas e escolares era muito maior do que na década seguinte onde o interesse pelo “público” caiu e, quase, sumiu. Pretendo escrever mais sobre isso, mas se houver interessados na produção de teses, estas poucas linhas oferecem problemas instigantes.

7 comentários:

  1. É HORA DE RECRIAR!

    A iniciativa do Prof. Dr. Milanesi na criação do Blog, é muito salutar, por trazer possibilidades de discussões de tema tão antigo e atual como Bibliotecário versus Tecnologia; sobretudo no período de acelerada transição por que passam todos os segmentos profissionais, incluídos, de forma marcante, os profissionais da Informação/Bibliotecários em relação à esta ferramenta. Neste contexto, as Tecnologias da Informação atuam como meio agregador de valor ao processo de seleção, tratamento, armazenamento, recuperação e uso da informação, de maneira a orientar seus usuários na busca e uso desta informação. Portanto, não acredito no extermínio da profissão para as tecnologias, mas na quebra de paradigmas em um processo de capacitação em Competência Informacional nas TICs. O que ocorre veementemente é que o Bibliotecário/Profissional da Informação que não se atualizar diante das tecnologias estará fadado a permanecer no limbo da profissão, sem chances de conseguir uma colocação no mercado profissional, já que as organizações cada vez mais necessitam e exigem que o profissional esteja preparado para promover a gestão da informação com foco nas tecnologias de recuperação da informação voltadas para o usuário. Não há nada mais gostoso do que sentar em algum lugar e ler um livro. Ironias da tecnologia, um Blog (www.tiagodoria.ig.com.br) disponível da Internet possui a seguinte manchete: “Culpa da internet: venda de livros está aumentando”, diz ainda que segundo a Associação Nacional de Livros, no ano de 2008 houve um aumento de 15% de aumento na venda de livros, principalmente nas lojas virtuais. Portanto, o livro nunca perderá lugar para o e-book ou informações digitais. Portanto nós profissionais da informação, temos mais uma ferramenta aliada em nossas “mãos”, um olhar mais cuidadoso tanto para formação como capacitação se faz necessário neste momento. Com certeza o momento é de recriar, refazer, reciclar.

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  2. Olá, Milanesi! Sou professor do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará. Vim prestigiar seu blog, que espero alcançar muito sucesso! Mantenho também um blog através do qual troco informações e experiências com meus alunos, além de, em alguns casos, ele funcionar como uma extensão da sala de aula.
    Acredito que seja mesmo a hora de "tacarmos" o dedo na tomada, tomarmos um choque e acordarmos para as novas características/atribuições/competências, etc. que a sociedade espera que tenhamos. A menos que queiramos ficar para trás e sermos conhecidos como profissionais de uma área que morreu. Grande abraço.
    Visite o Blog do Professor Hamilton: http://hamiltont.blogspot.com

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  3. Prezado Prof. Milanesi,

    Saúdo o lançamento do blog, e estarei acompanhamento de perto esta 'busca pela biblioteca perdida'. Trabalho no Ministério da Cultura, no setor que pesquisa o tema da 'Cultura Digital' localizado na Secretaria de Políticas Culturais. Convido-o a visitar o blog da 'Comunidade Biblioteca Viva' (http://blogs.cultura.gov.b/bibliotecaviva/), que é a semente de um projeto que compartilha da mesma intenção expressa no título de sua valiosa iniciativa na blogosfera.

    Saudações,

    José Murilo.

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  4. Vou apresentar um contra argumento ao comentário do João Pontes Júnior, especificamente, quando ele fala que: "livro nunca perderá lugar para o e-book ou informações digitais", nunca é muito tempo, provavelmente, não agora, mas mais cedo ou mais tarde vai, existem equipamentos que vão garantir esse possibilidade, para gerações mais novas, e-books, pocket-pc , tecnologia d informação, nada disso será novidade, há algum tempo ouvi uma frase: "Inovação é tudo aquilo que não existia quando nascemos", acredito nisso, a inovação deixará de ser inovação e se tornará um ato consumado em breve, então volto a questão primordial que encontrei no textos do professor Milanese nesse blog, quando esse dia chegar, o que será do bibliotecários, eu não sei?

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  5. A iniciativa deste blog é louvável e a discussão é profunda, muito mais do que certas conclusões precipitadas possam sugerir. Nesse sentido gostaria de sugerir que o autor do Blog coordene um Wiki em ciências da informação e da documentaçao para que nele sejam registrados essas e outras informações que correm o risco de se perderem no tempo e que de qualquer forma, algumas delas nunca tomariam forma em livros ou o que seja.
    As iniciativas em outros países sao muito interessantes confiram alguns exemplos:

    http://www.libsuccess.org
    http://librarywikis.pbwiki.com/
    http://www.blogwithoutalibrary.net/links/index.php title=Welcome_to_the_Blogging_Libraries_Wiki

    http://wikisource.org/wiki/Main_Page

    http://www.slideshare.net/marelle/wiki-pour-la-bibliothque

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  6. Sobre o fim das bibliotecas públicas: artigo publicado no Metro de 25.mar.09: http://www.readmetro.com/show/en/MetroSaoPaulo/20090325/1/14/#

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  7. Ei Milanesi... vc não posta desde 16/março!

    É... ser blogueiro e ao mesmo tempo conciliar as preocupações (como o furto de equipamentos ocorrido no CAP este fim de semana) de diretor da ECA é mesmo difícil...

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