quinta-feira, 9 de abril de 2009

KINDLE: QUE COISA É ESSA?

De um modo geral os serviços bibliotecários brasileiros, principalmente aqueles dirigidos a público vasto e diversificado estão distantes dos melhores exemplos produzidos por países mais desenvolvidos. E, frequentemente, vem a pergunta: por que paramos e não evoluímos? As explicações são vastas e podem ser dadas por historiadores, sociólogos, economistas e até por bibliotecários. No entanto, entendo que as explicações ajudam, apenas, a não repetir erros – o que já é um grande benefício. Mas não resolvem a situação. Lembro-me de Fernando Pessoa:

A criança que fui chora na estrada.
Deixei-a ali quando vim ser quem sou;
Mas hoje, vendo que o que sou é nada,
Quero ir buscar quem fui onde ficou.

Não dá para retroceder 50 anos e retomar a evolução das bibliotecas que estagnaram no modelo do INL. Esse tempo é irrecuperável. Sei que existem propostas para a construção no Brasil de uma biblioteca que existia nos anos 50 nos Estados Unidos. É como se fôssemos ao passado para retomar a evolução passo a passo. Todos nós sabemos que o Brasil passou do analfabetismo para as redes de televisão, ao contrário da Europa que teve 400 anos de cultura letrada. O mesmo salto ocorrerá no campo da informação pública. Em outras palavras, em algum momento pularemos das precárias bibliotecas para as novas propostas que se esboçam. O livro impresso sobre papel morreu? Não, mas seguindo os indicadores atuais isso poderá ocorrer. Por muito tempo eles serão adquiridos pelas bibliotecas públicas e escolares. Mas será que não poderíamos incluir um Kindle no ambiente público prá ver o que acontece?

A propósito, transcrevo um artigo publicado na Folha de S. Paulo de 7 de abril. Acho fundamental ouvir a opinião dos que transitam por estas páginas que, por sinal não são de papel.

Depois do iPod no som, o Kindle no texto
ELIO GASPARI
Há 6.000 anos os textos eram lidos em tabuletas e agora apareceu uma que armazena 1.500 livros
Saiu nos Estados Unidos uma engenhoca que fará a alegria de quem quer atravessar a fronteira dos meios de comunicação impressos, como livros, jornais e revistas. Chama-se Kindle e está na sua segunda versão. É uma tabuleta do tamanho de uma caixa de charutos e a espessura de um lápis, com uma tela pouco menor que um cartão postal. Custa US$ 359 e permite uma leitura confortável. Armazena até 1.500 livros, documentos e correspondência eletrônica. Assim como o iPod fixou um padrão para a música, o Kindle indica o futuro da recepção de textos e imagens sem a necessidade de se estar conectado a um computador.
O Kindle e os próximos produtos do gênero serão o complemento eletrônico dos impressos em papel. O jornal e o livro continuarão por aí, mas parte de sua freguesia migrará para o armazenamento eletrônico. Só um excêntrico lerá seu jornal na tabuleta enquanto toma café da manhã, mas será muito mais prático usá-la num avião, ou numa sala de espera. Por US$ 42 pode-se receber o "New York Times" na tabuleta, contra US$ 150 na banca ou US$ 64 na assinatura durante três meses. Isso tudo só nos Estados Unidos, pois o equipamento funciona dentro de uma rede sem fio que ainda não tem data para chegar a Pindorama.
Se nos próximos anos o Kindle evoluir com a versatilidade do iPod, pode-se esperar que terá uma tela maior, dobrável, receberá imagens a cores e multiplicará sua capacidade de armazenamento, custando a metade do preço de hoje.
O Kindle facilitou e barateou o acesso ao mundo editorial americano. Imagine-se o caso do livro "The Lost City of Z" ("A Cidade Perdida de Z"), que conta a história do coronel inglês Percy Fawcett, desaparecido em 1924, enquanto procurava na Amazônia a cidade perdida de uma civilização extinta. Faz cinco semanas que ele está na lista de mais vendidos do "New York Times".
Uma edição brasileira poderá demorar um ano para chegar às livrarias. Quem quiser comprá-lo (em inglês) pelo supermercado eletrônico da Amazon pagará US$ 16,50 pelo volume e US$ 10 pelo frete, para uma espera de até um mês. Se tiver pressa, o correio sobe para US$ 37, para uma entrega prometida em seis dias úteis.
Com o Kindle, o freguês conecta a tabuleta ao seu computador e, em dois minutos, baixa as 339 páginas da "Cidade Perdida", por apenas US$ 10. A engenhoca aceita anotações, sublinha trechos, acha qualquer palavra e dobra o canto da página.
Agora a má notícia: para que um brasileiro possa operar o Kindle, deverá ter uma conta na Amazon associada a um endereço físico nos Estados Unidos e um cartão de crédito americano. Com algum trabalho e a boa vontade de um amigo, é possível contornar o obstáculo. A melhor explicação possível para essa gambiarra está no blog de Antonio Carlos Silveira, sob o título "Amazon Kindle, como usar no Brasil".
Para que o Kindle possa ser considerado uma tecnologia vencedora, será preciso esperar um sinal do professor Delfim Netto, que tem a maior e melhor biblioteca particular privada do Brasil (270 mil títulos). Em Nova York, quando ele vai à livraria Strand, faz-se acompanhar por uma van. Freguês compulsivo do supermercado da Amazon, no dia em que ele ligar a tabuleta terá conquistado o mundo.

Um comentário:

  1. Não será possível reaver 50 anos de história de informação pública no Brasil, as tecnologias que pipocam pelas redes eletrônicas remodelarão outro modelo de “biblioteca” e outro tipo de público. Em relação a esse fato, lembro-me do Epílogo de Macunaíma, escrito por Mario de Andrade:

    Nenhum conhecido sobre a terra não sabia nem falar na fala da tribo nem contar aqueles casos tão pançudos. Quem que podia saber do herói? Agora os manos virados na sombra leprosa eram a segunda cabeça do Pai do Urubu e Macunaíma era a constelação da Ursa Maior. Ninguém jamais não podia saber tanta história bonita e a fala da tribo acabada. Um silêncio imenso dormia à beira-rio do Uraricoera.

    O problema consiste em ficarmos nesse “silêncio” atual e permanente olhando as águas que passam no “Urariocoera”. Se o futuro informador não devanear ações concretas para seus públicos (sim, num híbrido entre impresso e digital – o Kindle entra nessa história), as conseqüências serão ainda mais trágicas para a profissão e sociedade. Provavelmente, ninguém saberá contar a nossas histórias, nem saber quem foram nossos heróis...

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